
Enzo estava no cantinho do bistrô. Tinha os lábios e sobrancelhas tensas de um ator esquecido no palco. Tamborilava no ritmo de talheres que embalavam aromas. O maître conduziu Karla pelo labirinto de clientes. Ela fez uma pose diante da mesa estampada com fitinhas do Bonfim.
Os olhos de Enzo brilharam em harmonia com um sorriso largo. Admiração? Expectativa? Pouco importava. A reação foi perfeita. Karla sentou de modo sensual, grata por nenhuma "emergência" de fim de expediente tê-la forçado a adiar mais um encontro.
Com a fleuma costumeira, o maître ao lado estalou os dedos. Instantaneamente, um garçom se materializou, trazendo dois cardápios e o drink favorito dela.
A familiaridade do staff incomodou Enzo. Entre dentes, pediu uma cerveja e alguns minutos para decidirem os pratos. A sós, ele buscou as longas mãos de unhas roxas. Reforçou a própria fidelidade às pequenas combinações dos dois. Somente pedir bebidas na presença de Karla parecia ser a mais sagrada.
Para que ela sempre se sentisse segura. Da primeira vez, a postura a tinha encantado. Agora era piegas. O maître voltou à mesa por conta própria. Tinha uma recomendação à altura do paladar requintado de Karla: uma receita apimentada de ninguém menos que Thiago Rizzo.
Renomado chef de cozinha baiano, Rizzo era notório por, volta e meia, agraciar restaurantes com suas iguarias. Enzo disse algo jocoso sobre a razão dos altos preços, mas Karla não o escutou. Ela estava em êxtase. Tinha um objetivo claro para a noite: que aquela sua última tentativa fosse ardente.
Por outro lado, não contava com a surpresa! Era apaixonada por refeições picantes. E ali não tinha à disposição qualquer molho, mas uma das renomadas receitas de Thiago Rizzo! Era o prato mais especial da noite, o mais caro. Uma oportunidade rara demais para desperdiçar.
Se Enzo se incomodou ou não com o pedido, disfarçou bem. Conversaram, beberam, flertaram. Então chegaram as iguarias. O paraíso em chamas! Karla sentiu as bochechas corarem, os olhos marejarem, a energia contagiar todo o corpo. Entre gemidos leves, contou a Enzo sobre as propriedades afrodisíacas da pimenta.
Mesmo com hesitação estampada no rosto, ele se deixou convencer a comprovar a teoria. Karla se sentiu poderosa, atrevida. Seu prazer crescia a cada colherada.
Até que prestou atenção em Enzo.
Suor incessante, vermelhidão, resfolegar, olhos lacrimosos. Tudo bem, o prato estava um pouco mais “quente” que o normal, mas pelo amor de Deus! Não era como se ela o estivesse forçando a beber água sanitária. Aquele era um luxo culinário! Com os próprios lábios queimando, Karla notou o desconforto do outro, e um indício de pânico.
Toda a expectativa dela veio abaixo. Não foi capaz de esboçar sequer uma expressão de empatia, a decepção evidente no olhar. Em desespero impaciente, Enzo saltou da cadeira, saindo às pressas.
Karla não se importou com o destino dele, apenas acenou para o maître. Perguntou se seria possível conhecer o chef e agradecê-lo pela refeição divina - talvez tirar uma selfie? Mas Rizzo reservava-se o direito de não interagir com clientes. Sempre o gigante culinário misterioso.
Pelo menos Karla tinha garantido uma noite ardente.
Sua vez!
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Curiosidades:
Já fui Enzo em duas oportunidades, uma delas justamente num date de aplicativo. A moça (que não se chamava Karla) tinha feito questão de marcar num restaurante mexicano recém-inaugurado no shopping.
Gosto de pimenta tanto quanto baiano é louco por pão de queijo, mas a moça era bonita, o papo já estava rendendo há alguns dias, então fechei a cara e topei. Não fugi nem fui rejeitado pela moça - não naquele dia, de qualquer forma -, mas a língua queimava tanto que mal pude aproveitar os primeiros beijos.
Só depois de um tempo é que me peguei pensando: quem pede comida picante (pior, mexicana) no primeiro date?! Pior que isso só uma baita porção de figado acebolado com jiló!
E você? Qual foi sua experiência gatrônomica mais marcante? O que jamais comeria em um primeiro encontro? Ou o que faria questão de comer?