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O Último Americano - Parte 6
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O Último Americano - Parte 6

Uma novela de John Ames Mitchell

mar 30, 2024
∙ Pago

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O Último Americano - Parte 6
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Ilustração da edição de 1902

Perdido? Comece aqui. Se leu a parte anterior, continue…


19 de Maio

O ar está mais fresco. Grip-til-lah acredita que uma tempestade está se formando.

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Até Nofuhl está intrigado com a imagem de madeira que trouxemos a bordo ontem. Está bem preservada, com o colorido bárbaro ainda fresco sobre ela. Eles a encontraram de pé em uma lojinha.

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Como esses ídolos eram adorados, e por que eles se encontram em lojas pequenas, nunca nos grandes templos, isso é um mistério. A imagem tem um diadema de penas na cabeça e, enquanto fumávamos sentados no convés mais à noitinha, comentei com Nofuhl que poderia ser a representação de alguém da nobreza mehrikana. Ao que respondeu que eles não tinham fidalguia. Perguntei:

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— Mas os mehrikanos de sangue nobre não tinham títulos?

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— Nem títulos nem sangue nobre. E como de certa forma todos tinham a mesma origem, e vieram para este país apenas para prosperar mais do que em sua terra natal, não havia nada além da diferença de riqueza para estabelecer uma ordem superior. Nutrindo profundo respeito por dinheiro, essa era uma distinção satisfatória. Logo procedeu que as famílias que detinham riquezas por uma geração ou duas se tornavam as substitutas de uma aristocracia.

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Essa classe superior era dada aos esportes e passatempos, despendendo suas riquezas livremente, e eram apreciadores prodigiosos de ostentações. O desenvolvimento intelectual deles era débil, e exerciam pouca influência, exceto em questões sociais. Eles seguiram de perto a moda das aristocracias estrangeiras. Grande atenção era dada aos nobres errantes de outras terras. Até mesmo os parentes distantes de pessoas intituladas eram recebidos com o mais caloroso entusiasmo.

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Então eu disse a ele:

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— Mas explique-me, ó Nofuhl, como foi possível uma nação tão rasa se tornar tão grande?

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— Eles eram grandes apenas em número e fracos demais para sobreviver ao sucesso. No início do século XX, como marcavam o tempo, enormes fortunas foram acumuladas em um dia, e os mehrikanos se embriagaram de dinheiro.

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Diante disso, exclamei:

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— Ó Terra do Deleite! Pois muito dinheiro é encorajador.

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Mas o velho balançou a cabeça:

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— É bem verdade, ó príncipe, mas o efeito foi aterrorizador. Essas vastas fortunas logo dominaram todas as coisas, até mesmo a sede do governo e os tribunais de justiça. Truques financeiros trouxeram ganhos fabulosos. Os jovens foram desmoralizados. Pois uma indústria sóbria com lucros moderados era ridicularizada.

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— Deveras, isso seria natural! – eu disse. — Mas numa terra onde todos eram ricos quem foi havia de cozinhar e esfregar, recolher e carregar, e de lavrar o solo? Pois ninguém vai cavar a terra quando seus bolsos estão cheios de ouro.

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— Nem todos eram ricos. E quando os desvalidos também se tornaram gananciosos, eles se tornaram hostis. Então começaram as revoltas sociais com derramamento de sangue e destruição.

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20 de Maio

Um vento gelado do nordeste trouxe uma chuva violenta. Ontem arfamos com o ar quente. Hoje trememos em roupas de inverno.

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21 de Maio

O mesmo de ontem. A maioria de nós está doente. Meus dentes batem e meu corpo está tanto quente quanto frio. Uma tempestade mais perversa jamais se abateu sobre um navio. Lev-el-Hedyd diz que são as vozes estridentes de centenas de milhões de mehrikanos que devem ter perecido em temporais semelhantes.

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16 de Junho

Muitos dias já se passaram desde que toquei neste diário. Uma doença odiosa se abateu sobre mim, destruindo toda energia e coragem. Uma espécie de febre, e, no entanto, meus membros estavam frios. Eu não poderia descrever se quisesse.

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Nofuhl entrou na cabine esta noite com algumas de suas placas de metal e discorreu sobre elas. Ele não tem qualquer respeito pelos intelectos dos primeiros mehrikanos. Por um momento, pensei tê-lo pego em contradição, mas ele estava certo, como sempre. Foi assim:

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Nofuhl: Eles eram grandes leitores.

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Khan-li: Você nos contou que eles não tinham literatura. Eram grandes leitores de nada?

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Nofuhl: Deveras, tu o disseste! Diariamente, vastas folhas de papel eram publicadas nas quais todos os crimes eram registrados em detalhes. Quanto mais revoltante era o feito, mais minuciosa era a descrição. Os horrores eram o principal deleite deles. Os escândalos eram sorvidos por olhos sedentos. Essas crônicas de crime e sujeira foram publicadas às centenas de milhares. Quase não havia família na terra que não tivesse acesso a uma.

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Khan-li: E isso substituiu a literatura?

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Nofuhl: Assim foi.

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20 de Junho

Mais uma vez estamos no mar, a dois dias de Nhu-Yok. Nossa decisão foi repentina. Em um momento fatídico, Nofuhl encontrou um mapa do país entre aquelas placas malditas, e então foi tomado por um desejo irracional de visitar uma cidade chamada "Washington". Hesitei e, enfim, consenti, tolamente, creio, pois a tripulação anseia pela Pérsia. E esta cidade fica no interior, rio adentro. Ele diz que essa foi a melhor cidade deles, a sede do governo, a capital do país. Grip-til-lah jura que pode encontrá-la, caso o mapa seja verdadeiro. Ja-khaz ainda come sozinho.

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Esta tarde nos deitamos no convés, a Zlotuhb flutuando suavemente em direção ao sul. Na proa a boreste, estava à vista a terra, uma faixa tênue ao longo do horizonte ocidental.

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Foi por volta do meio da tarde, ao passarmos pelas ruínas de uma torre gigantesca – talvez um farol – que, de repente, Nofuhl se ergueu com pressa e olhou em volta. Em seguida, chamou Grip-til-lah, perguntando a quantas léguas estávamos do porto de Nhu-Yok. Esqueci a resposta de Grip-til-lah, mas esta encheu o velho de uma excitação branda. Observei um brilho incomum em seus olhos, também um tremor nos dedos, quando apontou para o oceano ao redor e exclamou:

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— Sob nós, o fundo do mar está coberto com naus de ferro, naufrágios de armadas estupendas, as mais poderosas de toda a história humana!

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Ficamos todos interessados de pronto.

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— Que armadas? – questionei. — E o que causou sua destruição? Foi uma batalha?

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Nofuhl: Uma batalha de cuja magnitude nenhum persa tem concepção; um conflito em que o mar foi revirado e os céus dilacerados por trovões de monstros de ferro. Qualquer um deles teria explodido em átomos uma frota de Zlotuhbs.

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Ad-el-pate: Deveras! Uma fábula mais fácil de contar do que de acreditar. Mas eu arriscaria minha cabeça de bom grado na Zlotuhb contra qualquer uma dessas maravilhas de contos infantis.

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Nofuhl. E o faria com sabedoria. Pois a perda de teu cérebro, Ad-el-pate, não poderia afetar a natureza de tua fala.

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Ao que se seguiram risos e Ad-el-pate se calou.

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Khan-li: Mas conte-nos sobre tal batalha, ó Nofuhl. Lembro-me agora de ter lido a respeito na faculdade. Costumo esquecer-me dos detalhes da história antiga. Como aconteceu?

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Nofuhl: Já mencionei que os mehrikanos são uma raça gananciosa. E sua ganância, finalmente, resultou nessa guerra. Por meio de leis unilaterais de sua própria autoria, garantiram para si a maior parte de todos os lucros do comércio mundial. Isso pôs em xeque a prosperidade de outras nações, até que, enfim, as principais potências da Europa se aliaram em autodefesa contra essa ganância que a tudo arrebatava. Eles reuniram uma armada como nunca imaginada até então, e nem mesmo depois. Então, do outro lado do oceano, veio a hoste de ferro. E aqui, neste mesmo local onde flutuamos, eles encontraram os navios mehrikanos.

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Khan-li: Quantas naus ao todo?

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Nofuhl. Os mehrikanos tinham oitenta robustas naus de ferro, com várias embarcações menores. Os aliados tinham duzentos e quarenta encouraçados de guerra, todos de ferro. Eles também tinham embarcações menores para vários fins.

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Khan-li. Alá! Uma péssima perspectiva para nossos amigos gananciosos! E por ser uma nação de comerciantes, provavelmente, não gostavam dos perigos da guerra.

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Nofuhl: Quanto a isso, os historiadores divergem. Segundo os próprios mehrikanos, eles eram guerreiros poderosos. Mas certos escritores do período dão uma impressão diferente. Noz-yt-ahl tem certeza de que eles eram covardes, fracos de corpo e alma, mas muitas vezes favorecidos pela sorte. Em minha opinião, essa batalha lança uma luz considerável sobre o assunto. Foi em um dia como este, também em junho, que os europeus, navegando rumo ao norte ao longo do litoral para capturar Nhu-Yok, eles encontraram o almirante mehrikano Nev-r-sai-di com suas oitenta naus. E o confronto foi curto.

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Khan-li: Deveras, creio! Com três navios para um, eu daria aos europeus cerca de meio dia, uma tarde de verão como esta, para afundar os gananciosos.

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Nofuhl: Teu palpite é bom, ó príncipe, quanto ao tempo da luta. Durou só uma tarde de verão. Mas foram os mehrikanos que mandaram os inimigos para o fundo. E o mar sob nossos pés está repleto de carcaças de ferro.

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Khan-li: Basmala! Se essa é uma história verídica, e não duvido, esses gananciosos não eram tão desprezíveis, ao menos quando havia lucro envolvido.

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Lev-el-Hedyd: Em que período isso ocorreu?

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Nofuhl: No início do século XX. Não consigo recordar a data, mas ela nunca foi esquecida pelos mehrikanos. Certamente era um orgulho apropriado, pois naquele dia realizaram maravilhas. O almirante Nev-r-sai-di em sua nau, a Ztazenztrypes, ele foi cercado por uma dúzia de guerreiros alemães. E eis que destruiu a todos! E a muitas outras naus francas e russyanas pôs fim; também a todo tipo de talyanos e britânicos.

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Lev-el-Hedyd: Basmala! Mas isso foi bom! Ó Nofuhl, qual é o nome persa para Ztazenztrypes?

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Nofuhl: Ninguém pode dizer ao certo. Para os mehrikanos, ele significava vitória ou algo semelhante. Outros milagres foram realizados pelos mehrikanos naquele dia. Uma pequena embarcação com uma proa pontiaguda, a Nofli-zon-mee perfurou quase uma vintena de naus monstruosas, e as águas se fecharam sobre os inimigos. Lá figurou também um barco longo e estreito de fabricação mehrikana, o Yankyd-Oodl. Esta máquina surpreendente navegou de um lado ao outro por entre as naus estrangeiras, contrariando todas as tradições. Muita glória sobreveio a seu comandante, o capitão Hoorai-boiz.

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Grip-til-lah: E quantas naus os mehrikanos perderam?

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Nofuhl: Relatos são contraditórios. De acordo com um de seus próprios escritores da época, eles não perderam nau alguma. Contudo, ao mesmo tempo, ele afirma: "Nós demos a eles Haleklumbya", que deve ser o nome de uma nau.

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Khan-li: Uma luta graciosa! Mas você pode explicar como um povo tão inferior pode se tornar heroico de repente?

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Nofuhl: Segundo Ardfax, antigo historiador britânico, eles eram viciados em proezas surpreendentes sobre a água. E esta afirmação é confirmada por um almirante espanhol, Offulbad-shoota, que afirma que, por ser um povo ímpio, os mehrikanos foram ajudados pelo diabo.

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Continua…

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