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O Último Americano - Parte 2
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O Último Americano - Parte 2

Uma novela de John Ames Mitchell

fev 03, 2024
∙ Pago

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O Último Americano - Parte 2
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Ilustração da edição de 1902

Perdido? Comece aqui. Se leu a parte anterior, continue…


​12 de Maio

Nofuhl tremia de alegria.

​

— Tu escutaste sobre Nhu-Yok, ó, meu príncipe?

​

Respondi que tinha lido a respeito na escola.

​

— Tu estás nela agora! – ele disse. — Estamos pisando no Continente Ocidental. Não é de admirar termos achado a viagem tão longa!

​

— E o que foi Nhu-Yok? – indaguei. — Li sobre ela na faculdade, mas me lembro de pouco. Não era a capital dos mehrikanos antigos?

​

— Não a capital, –respondeu, — mas a maior cidade deles. Sua população era de quatro milhões.

​

— Quatro milhões! Deveras, ó Fonte da Sabedoria, isso é muito para uma cidade!

​

— Tal é a história, meu príncipe! Ademais, como tu sabes, levaríamos muitos dias para caminhar por esta cidade.

​

— Verdade, é interminável.

​

Assim ele prosseguiu:

​

— É estranho que uma só palavra possa revelar tanto! Aquelas estruturas de ferro, a imensa estátua no porto, os templos de torres pontiagudas, tudo está como registrado na história.

​

Ao que repeti que eu pouco sabia dos mehrikanos, exceto pelo que havia aprendido na faculdade, um conhecimento fugaz e superficial, já que aquele era um povo que pouco me interessava.

​

— Sentemo-nos na sombra, – disse Nofuhl, — e lhe contarei sobre eles.

​

Sentamos.

​

— Por onze séculos, as cidades deste hemisfério dormente deterioraram solitárias. A própria existência delas foi esquecida. O povo que as construiu há muito se foi, e sua civilização é uma mera tradição obscura. Os historiadores se espantam que uma nação de cem milhões de seres tenha sido dissipada da terra como uma névoa, e deixado tão pouco para trás. Mas àqueles familiares às vidas e ao caráter deles é impossível surpreender-se. Não havia nada a deixar. Os mehrikanos não tinham literatura, arte, nem música própria. Tudo era fruto de apropriação. Mesmo o vestuário era reproduzido com precisão absurda a partir de modelos de outras nações. Eles eram uma raça gananciosa, astuta, perspicaz, irrequieta, dedicada de corpo e alma ao acúmulo de riquezas. Sua maior paixão era comprar e vender. Até as mulheres, tanto de baixa quanto de alta educação, elas despendiam muito do tempo em barganhas, aglomerando-se e empurrando umas às outras em vastas feiras de comércio, pois suas vestes eram complicadas e as ocupavam demais.

​

— Quão degradante!

​

— De fato deve ter sido, – disse Nofuhl; — mas elas não eram desprovidas de virtudes. A vida doméstica delas era feliz. O homem tinha uma única esposa e a tratava como sua igual.

​

— Isso é curioso! Mas, pelo que me recordo, eles eram um povo de honra flexível.

​

— Assim foram considerados, – disse Nofuhl; — A honra comercial deles era uma zombaria. Eles eram mais astutos que os turcos. A prosperidade era o deus deles, a malícia e a inventividade seus profetas. Suas atividades incansáveis nenhum persa pode compreender. Esta vasta nação era repleta de indústrias ruidosas, os mehrikanos agitados disparavam de uma cidade a outra com uma rapidez inconcebível por intermédio de um sistema de locomoção o qual apenas podemos imaginar. Existiam estradas com hastes de ferro nas quais pequenas casas sobre rodas eram conduzidas com tamanha velocidade que uma jornada longa de um dia inteiro era percorrida em uma hora. Movidas por uma força misteriosa, naus imensas e sem velas carregavam centenas de pessoas de uma só vez aos pontos mais longínquos da terra.

​

— E tais coisas estão perdidas? – indaguei.

​

— Conhecemos muitas das forças, – disse Nofuhl, — mas o conhecimento de como aplicá-las se foi. Os próprios elementos parecem ter sido submetidos a eles. À noite as cidades eram iluminadas por luas artificias cujo fulgor ocultava o próprio satélite no céu. Quando separados por uma jornada de muitos dias, eles faziam usos de dispositivos estranhos por meio dos quais podiam se comunicar. Hoje em dia alguns desses aparelhos estão em museus persas. As superstições de nossos antepassados permitiram que seus segredos se perdessem durante os séculos obscuros dos quais estamos nos erguendo enfim.

​

Neste instante, ouvimos a voz de Bhoz-ja-khaz ao longe; uma fonte havia sido descoberta e ele estava nos chamando.

​

Nunca sentimos tanto calor, e ficava mais quente a cada hora. Próximo ao rio onde comíamos era mais confortável, mas mesmo ali o suor nos encharcava. Nossos rostos brilhavam como peixes. Desejávamos seguir explorando, porém, as ruas eram como fornos e retornamos à Zlotuhb.

​

Enquanto me sentava no convés agora à tarde para registrar neste diário os eventos da manhã, Bhoz-ja-khaz e Ad-el-pate1 se aproximaram, solicitando permissão para pegar o escaler e visitar a grande estátua. Em seguida, Nofuhl nos informou que, em tempos remotos, havia no alto da estátua uma tocha a iluminar todo o porto, e requisitou a Ad-el-pate que tentasse descobrir como a luz era produzida.

​

Retornaram à noite com esta informação: que a estátua não é de bronze sólido, mas oca; que eles subiram por uma escadaria de ferro até a cabeça da imagem e nos avistaram lá do topo; que no escuro, Ad-el-pate sentou-se para descansar sobre um ninho de mosquitos amarelos com listras pretas; que esses mosquitos ferroaram Ad-el-pate, fazendo-o vociferar e descer as escadas com uma agilidade inesperada; que Bhoz-ja-khaz e os outros avançaram até o braço erguido da estátua e, enfim, chegaram à tocha de bronze; que a cidade abaixo se estendia diante deles como um mapa, cobrindo o território por quilômetros de distância em ambas as costas do rio. Quanto à iluminação do porto, Bhoz-ja-khaz diz que Nofuhl está enganado; não há vestígios de nada capaz de gerar luz – nenhum recipiente para óleo ou traços de fogo.

​

Nofuhl diz que Ja-khaz é um idiota; que ele mesmo há de verificar.

​

Continua…

​

​

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